Chega, por Carlos Saul Duque*
A primeira vez que eu ouvi a Ópera do Malandro, do Chico Buarque, tinha uns 16 anos. Uma das músicas que mais me chamaram a atenção no disco foi Geni e o Zepelim, que conta a história da prostituta que, desprezada e agredida por todos, salva a comunidade ao dormir com o militar que quer destruir a cidade. Para, na manhã seguinte, ser novamente apedrejada pela população tão logo o militar e o perigo vão embora. Os versos do Chico viraram bordão: “Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni”.
Da ingenuidade da minha adolescência, não compreendia direito a crítica política que o Chico fazia. A história se passa nos anos 40, época de Getúlio Vargas, mas sutilmente a sociedade brasileira e a ditadura militar no final dos anos 70 são dissecadas na ópera.
Geni é uma das personagens mais marcantes. E a mais sofrida. Virou sinônimo de quem é linchado publicamente e, principalmente, sem muita razão.
Senti-me Geni mais uma vez ao ler o texto da doutora Patricia Azevedo da Silveira, publicado na Zero Hora. O problema: na campanha institucional da Feira do Livro de Porto Alegre há um marcador em forma de par de pernas femininas vestindo uma cinta-liga. Na visão dela, uma “demonstração de vulgaridade explícita”.
Um ingênuo marcador de livros, um dos vários da campanha que também tem pernas com pés de pato e rabo de dragão, imagens que complementam a boa e competente campanha da agência Matriz.
Por alguma razão que, sinceramente, não consigo entender, a propaganda e os publicitários são sempre escalados para o linchamento público e a desclassificação sumária. Publicitário é, via de regra, cidadão de segunda classe.
Não há o que a gente faça que mude esta situação. Campanha social e trabalho solidário. Hora extra de madrugada. Campanhas brilhantes e prêmios internacionais para o Brasil. Patrocínio cultural, divulgação da música brasileira, excelência artística, dá pra ficar o dia todo falando nisso. Mas, na necessidade de um vilão, sempre olham para o nosso lado.
Há mais de 30 anos, a classe publicitária criou o seu Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). Publicitários regulamentando publicitários? Só na aparência. O Conar tem hoje um conselho de 180 voluntários, sendo que 61% dos seus lugares são ocupados por não publicitários. Advogados como a doutora Patrícia são 16%. Além de jornalistas (9%), engenheiros (5%) e médicos (2%), só para citar quatro categorias profissionais que se orgulham da sua profissão, das suas ordens e de seus conselhos. Mas que, ao julgar sua atividade – e que fique claro que isto é um direito deles e não estou criticando –, convocam apenas profissionais da sua própria área.
Os publicitários trabalham de portas abertas para a sociedade, prestando um serviço relevante para a indústria, o comércio e os serviços do país, de outros países e das comunidades onde se localizam. Não têm medo de serem regulamentados por esta mesma sociedade e acatam suas decisões. Mas, sob hipótese alguma, vão levar a culpa porque o mundo está virado, não se respeita mais nada ou tudo virou um grande bordel. Não generalizem. Não gostou, liga para o Conar.
E, por favor, não mande mais um texto para o jornal falando mal da propaganda. Chega. A nossa casa não é de tolerância. E Geni só existe na ficção.
*Vice-presidente de Criação da Dez Propaganda
Da ingenuidade da minha adolescência, não compreendia direito a crítica política que o Chico fazia. A história se passa nos anos 40, época de Getúlio Vargas, mas sutilmente a sociedade brasileira e a ditadura militar no final dos anos 70 são dissecadas na ópera.
Geni é uma das personagens mais marcantes. E a mais sofrida. Virou sinônimo de quem é linchado publicamente e, principalmente, sem muita razão.
Senti-me Geni mais uma vez ao ler o texto da doutora Patricia Azevedo da Silveira, publicado na Zero Hora. O problema: na campanha institucional da Feira do Livro de Porto Alegre há um marcador em forma de par de pernas femininas vestindo uma cinta-liga. Na visão dela, uma “demonstração de vulgaridade explícita”.
Um ingênuo marcador de livros, um dos vários da campanha que também tem pernas com pés de pato e rabo de dragão, imagens que complementam a boa e competente campanha da agência Matriz.
Por alguma razão que, sinceramente, não consigo entender, a propaganda e os publicitários são sempre escalados para o linchamento público e a desclassificação sumária. Publicitário é, via de regra, cidadão de segunda classe.
Não há o que a gente faça que mude esta situação. Campanha social e trabalho solidário. Hora extra de madrugada. Campanhas brilhantes e prêmios internacionais para o Brasil. Patrocínio cultural, divulgação da música brasileira, excelência artística, dá pra ficar o dia todo falando nisso. Mas, na necessidade de um vilão, sempre olham para o nosso lado.
Há mais de 30 anos, a classe publicitária criou o seu Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). Publicitários regulamentando publicitários? Só na aparência. O Conar tem hoje um conselho de 180 voluntários, sendo que 61% dos seus lugares são ocupados por não publicitários. Advogados como a doutora Patrícia são 16%. Além de jornalistas (9%), engenheiros (5%) e médicos (2%), só para citar quatro categorias profissionais que se orgulham da sua profissão, das suas ordens e de seus conselhos. Mas que, ao julgar sua atividade – e que fique claro que isto é um direito deles e não estou criticando –, convocam apenas profissionais da sua própria área.
Os publicitários trabalham de portas abertas para a sociedade, prestando um serviço relevante para a indústria, o comércio e os serviços do país, de outros países e das comunidades onde se localizam. Não têm medo de serem regulamentados por esta mesma sociedade e acatam suas decisões. Mas, sob hipótese alguma, vão levar a culpa porque o mundo está virado, não se respeita mais nada ou tudo virou um grande bordel. Não generalizem. Não gostou, liga para o Conar.
E, por favor, não mande mais um texto para o jornal falando mal da propaganda. Chega. A nossa casa não é de tolerância. E Geni só existe na ficção.
*Vice-presidente de Criação da Dez Propaganda
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